O que eu e ela temos em comum?

E quem era ela? Alguém com quase nenhuma importância ou mesmo significado social. Sua presença não seria notada, suas palavras não seriam ouvidas, suas expressões faciais não seriam percebidas, seus sentimentos não mereciam atenção. Um objeto, uma propriedade, ela era apenas uma possessão de alguém realmente mais importante, o que, consequentemente, fazia dela mais insignificante ainda. Ela era uma pessoa, mas isso era constantemente esquecido. Podemos até imaginá-la como um ser transparente, invisível e imperceptível. Um ser sem história, sem passado relevante e com futuro pré-determinado. Seu riso era guardado para agradar seus senhores, suas lágrimas eram reservadas para os momentos de solidão. Ela era nada, um quase ninguém, até que uma decisão errada a lança no palco da história humana, a introduz na cena da vida e lhe concede nome e personalidade. Quem era Agar para ser alvo daquele privilégio?
Esse, em minha opinião, é um ponto muito importante da narrativa de sua primeira fuga em Gênesis 13. Não me entendam mal, é claro que a relação de Deus com Abrão é mais importante, e que a doutrina do pacto que substancia a narrativa mais ainda que o próprio Abrão. Entretanto, nesta passagem é a Agar que Deus se revela. É a ela que O Anjo do Senhor se manifesta. A doutrina da Aliança está exposta em seu diálogo com o Senhor, e o pacto com Abrão é evidenciado por essa conversa à beira do poço no deserto. Não é necessário repetir a história, todos a conhecemos bem. Sabemos que Abrão foi chamado aos 75 anos com a promessa de que sua esposa conceberia dele, e lhe daria uma descendência embora ela fosse estéril. Também sabemos que a promessa só se cumpriu quando ele possuía 99 anos. Isso explica porque que entre 10 e 11 anos após seu chamado ele e sua esposa resolvem interferir no processo e provocar uma gravidez através da escrava.
Como diz o texto de provérbio, “Sob três coisas estremece a terra, sim, sob quatro não pode subsistir: sob o servo quando se torna rei; sob o insensato quando anda farto de pão; sob a mulher desdenhada quando se casa; sob a serva quando se torna herdeira da sua senhora.” (Provérbios 30:21-23). Ela viveu uma overdose de importância. Embora escrava, era ela quem trazia (pelo menos assim pensava) o cumprimento da promessa de seu Senhor. Era seu ventre quem carregava o único herdeiro de Abrão. Daí o desprezo pela senhora estéril, o que provocou tanto a ira de Sara, que esta lhe trata com tamanha crueldade que ela resolve voltar para seu povo egípcio. Grávida, solitária, magoada e ofendida, e igualmente irada. Lá vai Agar pelo deserto levando apenas incertezas e rancores. Até que o Anjo do Senhor, o Deus de seu senhor Abrão se revela de forma tão inesperada. Dificilmente seremos capazes de avaliar a singularidade do momento, o privilégio que ela recebeu, a graça que ela experimentou. Poucos são os que receberam igual tratamento e raras vezes o Senhor se manifestou dessa forma.
Mas o como o Deus de Israel quis ser conhecido pela escrava de Sara? O que teria ele a dizer a esta mulher em meio à sua imensa aflição, e sob uma crise sem precedentes? Suas palavras ressoam ao longo das inúmeras vezes que esta narrativa é lida ou contada. Ele é o Deus que vê (Ismael), aquele que enxerga a mulher invisível, imperceptível, desconsiderável. Aquele que dá atenção a quem todos julgam insignificante. Por isso o nome de seu filho foi escolhido por Deus. Cada vez que ela o chamasse se lembraria de que o Anjo do Senhor é o Deus que vê, o Deus que a viu, um verdadeiro Ismael. Por isso, ela em meio à alegria e perplexidade, entre o medo e a admiração o revela ainda mais ao afirmar que ele é o Deus que ouve. Que ouviu as suas súplicas e respondeu à sua desesperança. Ele ainda ouvirá a voz do menino anos mais tarde para que fique indelével a sua natureza tão poderosa como graciosa (Gn 21.17). Ouvir significa que ele se importa, que está atento e que visita a aflição da serva. Ele é o Deus que Vê e o Deus que ouve as lágrimas de suas desesperanças.
É possível imaginar o efeito dessa revelação. Seja para Agar que caminhava no abandono de suas esperanças, ou seja, no cansaço do deserto dos ouvintes e leitores de Moisés. Pessoas que caminhavam na agonia, peregrinavam pelo desânimo, e se viam indignos de qualquer favor. Até que o Deus que vê e ouve se revela. Mesmo sendo uma escrava egípcia, ele se revela. Mesmo não tendo importância aos olhos de seus senhores, é a ela que ele se revela. Para que fique claro que mesmo na noite fria do deserto solitário ele é o Deus que vê e ouve. Na crise, na angustia, na dor, na falta de esperança, na fragilidade da fé, ele nos ouve e nos vê.

Mas, afinal, o que eu e ela temos em comum?

Uma pergunta, um silêncio e um olhar.


(Mc. 3.1 a 6)

Na manhã de sábado o vento soprava leve. Embora o vento fosse seco e quente era o único refrigério no calor desértico daquela região. As pessoas andavam apressadas, longos filactérios desfilavam pelas ruas. Em cada rosto a expressão taciturna dava ares de seriedade, afinal a alegria e espontaneidade não são adequadas aos sábados. Caminhavam na mesma direção, rumo à sinagoga. Todos os detalhes foram providenciados, nenhum preceito havia sido esquecido. Roupas, lavagens cerimoniais, jejuns e orações nos momentos certos, como se fossem administrados por prescrição médica. E então a surpresa!

Ele estava lá. Não havia dúvidas, ele era inconfundível. Além do mais, estava acompanhado daqueles que se intitulavam seus discípulos. Sua postura era diferente, trazia uma humildade sem esforço e a reverência alegre que contrastavam com a sobriedade ambígua do lugar e consequentemente das pessoas que ali estavam. O que ele fora fazer ali? Desafiá-los? Afrontá-los ou quem sabe seduzir os incautos para que o sigam? Não Obstante todas as dúvidas, o fato é que ele estava ali, e aparentemente seu único objetivo era orar. Uma oração simples, uma oração sua, mas que naquele momento por mais privada que fosse se tornou uma oração pública.

Digo isso porque nós todos temos a mania de observar, e foi assim que observei que todos o estavam observando. As orações foram postas de lado, ou pior, foram usadas para encobrir a caçada humana numa investigação velada. A pergunta que não foi feita audivelmente, mas que dançava freneticamente no pensamento dos presentes era a mesma: Teria ele a ousadia de profanar o sábado? Não, ele não profanou o sábado e nem menosprezou a lei, também não descumpriu os mandamentos e muito menos zombou da religião do seu povo. Ao invés disso, ele os cumpriu cabalmente e obedeceu.

Três fatos permanecem em molduras, ainda hoje, nas paredes nuas da minha memória: uma pergunta, um silêncio e um olhar. “é lícito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal?” sua voz ecoou de maneira que a atenção de todos se voltou para ele. A mim ocorreu a ideia de que nunca havia olhado para a lei sob aquela perspectiva. O que diz minha lei? Para que ela serve, para fazer o bem ou o mal? Percebi quantos sábados desperdiçados em cerimônias inócuas, esvaziadas de sentido pelo meu egoísmo reticente. Mais do que aquelas mãos era meu coração que precisava de cura.

À pergunta seguiu-se o silêncio. Silêncio que fala, emudecimento que grita. Cada lábio que se cerrou e guardou silêncio naquele sábado falou mais que os discursos litúrgicos e as longas homilias. Permanecemos calados e fomos incapazes de responder à pergunta mais óbvia que poderia nos ter sido feita, “é licito fazer o bem ou fazer o mal?” Não porque não soubéssemos, mas porque não queríamos pensar no uso que fazíamos da lei. A ignorância nos ajudava a justificar a profanação do bem e da lei. Tirávamos a vida para salvar os nossos sábados. O silêncio disse tudo que a boca calou e revelou o mais íntimo recanto de nosso coração. Depois daquele silêncio mais nada precisava se dito.

Então veio o olhar. Um estranho olhar, um diferente olhar. Um olhar perfeitamente humano e sobrenaturalmente divino. Um olhar indignado e ao mesmo tempo entristecido. Ira e compaixão plenas em um mesmo olhar. Como isso era possível não sei, só sei que aquele olhar dissolveu minhas dúvidas e revelou-me a verdade sobre ele e sobre mim. Pelo seu olhar eu enxerguei a dureza do meu coração e a coragem da sua bondade.

Embora todos o estivessem observando, nem todos perceberam o que eu vi, e saíram para conspirar contra ele, traindo a coerência e negociando seus princípios. Tramaram a sua morte que era mais fácil do que admitir as suas limitações. Quanto a mim continuo me enchendo de esperança todas as vezes que o vento sopra nas manhas de sábado. Esperança de que eu aprenda com ele a usar minhas leis, minha religião e meus sábados para fazer o bem.

Aconteceu essa semana.


Essa semana deixei de pecar. Tornei-me finalmente santo. Aconteceu assim, de repente, logo após minha oração matutina. Eu não esperava por isso, fui tomado de surpresa e ainda agora procuro formas para explicar o que aconteceu. Entretanto, mesmo que eu não consiga descrever, está totalmente claro para mim, desde aquela manhã eu não peco mais.  Não me refiro somente aos pecados graves e notórios. Aqueles pecados palpáveis e indefensavelmente reconhecidos até pela sociedade descomprometida com a Escritura. Eu estou livre de todos, e especialmente daqueles que não são vistos a olho nu.  Pecados intangíveis, e por essa mesma razão intocáveis[1] pela nossa legislação escrita e oral. Confesso, a sensação da santidade é ótima, eu diria Indescritível até.

Vocês não podem imaginar o que significa uma pessoa estar definitivamente livre do orgulho e da soberba, esses pecados que pareciam estar tatuados em minha alma. Como eu ansiava pela verdadeira humildade, aquela que uma vez praticada não gera orgulho por praticá-la. E livre desses pecados me pude ver livre da tantos outros. Como consequência não olho para os outros com soberba, consequentemente, não penso mais o mal de outras pessoas, não as julgo estribado em meu entendimento e por essa razão eu não falo mais com maldade sobre eles. A maledicência é um pecado sorrateiro e sutil. Penetrava meus diálogos e contaminava meus comentários. Até quando intentava o bem, as minhas palavras traziam gotas de veneno e vestígios de maldade. Mas hoje, estou livre de tudo isso. Ninguém mais ouvirá conversação torpe em meus lábios (Ef 4.29)

De igual forma não carrego a inveja e o ciúme como acessórios do meu coração. Confesso que antes eu tinha ciúme e inveja das pessoas ao meu redor. Porque não sei se você notou, mas é contra essas pessoas que tais pecados se mostram mais insidiosos. Não invejamos celebridades e nem temos ciúmes de pessoas distantes, nosso sentimentos de manifestam contra aqueles com quem convivemos. Desejar às pessoas o melhor até mais que a mim e considerá-los superiores (Fp 2.3) é um sentimento agradabilíssimo, se soubesse disso antes teria buscado esse sentimento com mais frequência. Despi-me, portanto, definitivamente do ciúme e a inveja, pecados que a Bíblia compara à avareza (Rm 1.29) por se tratar de um desejo de posse e domínio. Era assim dentro de mim, os amigos eram meus, as pessoas me pertenciam, os sentimentos dos outros eram minhas propriedades particulares e privativas.  Hoje não é mais assim, posso realmente dizer que cumpro a lei, amo o próximo como a mim mesmo (Gl 5.14).

E o que dizer da ansiedade? Acreditem desde aquela manhã eu não a trago mais em meu peito e nem ela me faz companhia nessa nova caminhada (Fp 4.6). Não estou ansioso com o que irei comer ou me vestir (Mt 6.25,28) . A confiança plena em Deus é um sentimento libertador, tanto que não há mais cenho franzido em preocupações insones. Não há mais em minha vida a insegurança em relação aos sentimentos das pessoas, ou mesmo a necessidade de saber o que estão pensando. O dia passou a ser vivido e o imediatismo desapareceu de minhas horas.  A angústia dos acontecimentos futuros ficou no passado. Espero que um dia vocês se sintam assim.

Teria mais a dizer, mas o espaço aqui não é suficiente. Desejava contar-lhes como fui liberto do moralismo e do juízo temerário, da ira incontida, da vingança e da ambição. Enfim, queria apenas que vocês soubessem com é bom viver sem pecado. E é assim que eu vivo desde aquela bendita manhã.

Ah! Já ia me esquecendo de lhes avisar, vocês estão lendo minha lápide. Morri logo após a oração daquela manhã. Foi assim que fiquei definitivamente livre de meus pecados. E agora espero vocês por lá,

Em Cristo,

 




[1] Tomo emprestado o termo utilizado por Jerry Bridge em seu excelente livro Pecados Intocáveis (Editora Vida Nova).

Medo, Considerações sobre o significado de um milagre (Marcos 6.45-62)


Nós e nossos medos, todos os temos. Manifestam-se de formas diferentes, seus objetos são diferentes, mas sem exceção, todos nós sentimos medo. O medo como todos os demais sentimentos da vida tem sua face iluminada. Ele nos preserva de riscos indevidos, e nos alerta para situações de ameaça para que não vivamos levianamente. O mundo seria uma catástrofe se os homens não sentissem medo. Sua face escura é quando nos paralisa, nos anestesia, nos deixa perplexos diante de situações que deveríamos enfrentar. Se a escassez de medo nos torna levianos, o medo em excesso nos faz covardes. Sendo honestos reconhecemos a verdade que todos temos os nossos medos. A maioria das pessoas tem medo da morte, mas há aqueles que têm medo da vida. Há pessoas com medo da solidão e há pessoas com medo de pessoas. O medo de amar é mais comum do que imaginamos, pessoas que se encastelam de tal forma que não dão à pessoa ao seu lado a possibilidade de se sentirem amadas. Chamamos esse medo de insegurança, ou seja, quando não nos entregamos ao outro por medo de sofrer. Medo da velhice, medo da dor e sofrimento, medo da pobreza, seja qual for eles são inescapáveis em seu alcance, insuportáveis em sua presença e inevitáveis em suas consequências. De onde eles procedem?
Eles procedem de nossa humanidade, mais propriamente de nossa criação. Mas como tudo o que Deus criou perfeito foi corrompido por nossa queda, o medo também o foi. Para ser mais preciso o medo excessivo, o medo pecaminoso, o medo ruim que procede de nossa incapacidade de crer, e como consequência do que acabo de escrever, da nossa incompreensão da pessoa nosso Redentor. Se conhecêssemos a soberania do Pai, o poder do Filho, e a providência do Espírito, não haveria razão para esse tipo de medo. Raciocine comigo, por que me afligir quando a enfermidade chega se conheço a sua autoridade? (Lc 7.8) Por que temer os homens me podem fazer se conheço o “Rei dos reis e Senhor dos senhores”? (1 Tm 6.15) “O Senhor é a minha luz, e a minha salvação, a quem temerei?” (Sl 27.1). E por favor, não me entenda mal, não estou ensinando que possamos ou devamos viver sem temores e preocupações nenhuma. Se sentirmos medo Deus é bom, e nos conforta, anima e ensina a lidar com o medo.  Entretanto, precisamos enfrentar a dura realidade que boa parte de nossas ansiedades e medos que procedem da nossa negligência em entender quem é Jesus.
E aqui começa a nossa navegação no texto do Evangelho de Marcos 6.45-52. Perceba meu paciente leitor, que esse texto vem acompanhado de explicações. Marcos revela que a causa do medo aterrorizante dos discípulos é por que eles “não compreenderam o milagre dos pães, antes tinham o coração endurecido”. Tente imaginar a cena juntamente comigo, Jesus estivera em sua terra, Nazaré, e retirou-se de lá admirado da incredulidade de seus vizinhos (6.1-6). Nessa ocasião os seus discípulos são comissionados e enviados para uma missão a ser realizada por eles, inclusive com exercício de poder em nome de Jesus, a ponto de curarem e expelirem demônios, além de pregarem o arrependimento (6.7-13). Esses eventos chamaram a atenção de Herodes, a ponto ter suscitado a pergunta que governa a passagem: Quem é esse? A identidade de Jesus é que está sendo discutida por meio dessa passagem, seja em Nazaré (6.3), seja da parte de Herodes ou da população da Galiléia (6.14-16). Quem é ele?
Então ao retornarem os discípulos Jesus se retira com eles de barco para que repousassem (6.31). Contudo, nos diz Marcos que tendo sido reconhecido pela multidão, as pessoas correram a pé, contornando o Mar até o alcançarem do outro lado da margem (6.33). Ao perceber a multidão Jesus se compadece e passa a ensiná-los, até que foi interrompido pelos discípulos. Era preciso despedir a multidão para que pudessem se alimentar (6.35,36). Mas como sempre, as situações adversas e os problemas que nos afligem nada mais são do que plano de Deus para cumprimento de seu propósito e oportunidades de lições caríssimas aos que se entendem discípulos. Os discípulos foram despedidos por Jesus antes do cair da tarde, no início da noite Jesus percebe que estão enfrentando vento contrário e com dificuldade tentam remar (6.47). Após aproximadamente 9 horas de navegação, por volta das 3 horas da madrugada Jesus os alcança (6.48). A reação dos discípulos é de medo, gritam e consideram ser um “fantasma”. Provavelmente, pensaram se tratar de um espírito, que segundo a crença popular costumava aparecer antes das embarcações naufragarem (6.49).
 Para não me delongar, aponto aqui o propósito da passagem. Mais uma vez, Marcos faz o contraste. Essas comparações surpreendentes que nos tomam de surpresas quando devidamente compreendidas. Neste caso, a multidão compreendeu o que os discípulos não perceberam, viram o que eles não viram, a multidão soube quem era Jesus.
A multidão correu ao redor do lago porque ali estava o Messias esperado, o Redentor de Israel, o Profeta que deveria vir ao mundo. Note que outra multidão o reconhece quando ele e seus discípulos aportam após a tempestade (6.54). O mais significativo é o fato que na narrativa paralela no capítulo seis do Evangelho de João, é deixado evidente que a multidão compreendeu quem ele era (Jo 6.14), embora não tivessem compreendido sua missão em direção à cruz (Jo 6.15). Quanto aos discípulos eles “não compreenderam o milagre dos pães”. Mas afinal, o que a multidão viu? O que os discípulos não compreenderam? O que o Evangelho quer nos mostrar? Quem é ele?
Ele é o Pastor enviado por Deus para reunir seu rebanho (6.34, Jr.23.4), Ele é o Pastor do Salmo 23, cuja graça faz com que nada nos falte. Assim, como o maná foi derramado no deserto para o sustento do seu povo, assim ele sacia a fome da multidão, e os ensina como quem pastoreia seu rebanho. Não estou dizendo que não sofreremos desemprego e privações, mas que viverei em paz porque “o Senhor é meu pastor, e nada me faltará (Sl 23.1)”.
Ele é o Senhor que preside aos dilúvios (6.51, Sl 29.10), e que como Rei o presidirá para sempre. Esta é a segunda vez que ele domina a tempestade, revelando o que os discípulos não compreenderam por não crer plenamente (6.52) porque tinham o coração endurecido. A dureza de coração significa falta de fé (Mc 16.14).
Ele é mais do que isso, é aqueles cujas enfermidades são curadas pelo simples toque em sua orla (6.56), Seja a multidão anônima, seja a mulher hemorrágica, igualmente anônima (cf.5.27). Mas um toque em suas vestes é suficiente, não desejo afirmar que todas as pessoas serão curadas, mas que não há enfermidade que não esteja sob seu domínio.
Mas acima de tudo, ele é aquele que afirma como no Antigo Testamento, EU SOU (3.14). Em grego o texto diz, ego eimi, em hebraico Iavé. O Senhor está ali, a natureza reconheceu e obedeceu, a multidão percebeu, mas os discípulos não compreenderam.
Cá estou eu, muitos anos depois. Atemorizado com a vida, vivendo meus medos tão privados e particulares que só eu e Deus os conhecemos. Cá estou eu, me alimentando de lágrimas (Sl 42.3), inseguro, perplexo, paralisado diante de uma vida que infunde mais medo que a própria morte. Cá estou eu, em minhas noites silentes e madrugadas insones. Cá estou eu discípulo como os demais discípulos, com o coração tão endurecido como aqueles, e ainda sem entender quem ele é. E em meio à angústia, em busca do meu Pastor, à espera do Rei, tão somente gostaria de ouvir o que ouviu Jairo (5.36), e o que ouviram os discípulos (6.50): “Tende bom ânimo! Eu Sou, Não temais!”

A Páscoa de Caifás


Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação. (João 11:49-50)

Chega de coelhos e chocolates, não quero mais ouvir e nem falar mais sobre esse assunto. A Páscoa é muito mais que discussões vazias que mais enfatizam que corrigem a nossa celebração. Na páscoa há mais fatos e personagens importantes que merecem nossa atenção e que pela polemica fútil de coelhos e chocolates são esquecidos. Arrisco-me aqui a pensar em alguns deles que tiveram participação efetiva naquela que foi a Páscoa das páscoas. Aquela que todas as demais deveriam lembrar ao celebrar. E te convido a olhar para esse judeu, que celebrou aquela páscoa como nós anualmente celebramos as nossas. Como foi a páscoa de Caifás?
Caifás foi, segundo o historiador Flavio Josefo, Sumo Sacerdote entre os anos 18 a 36 A.D. Como se supõe mantinha relações “amigáveis” com o Império Romano, e particularmente com Pilatos. Este último conhecido pelas ofensas feitas à religião dos judeus, em cujas réplicas não se encontram defesas advindas de Caifás, numa indicação de silêncio político. Seu sogro havia sido sacerdote entre os anos 6 a 15, e fica evidente a natureza política dessas relações, que como nos dias de hoje terminam por dominar e não poucas vezes corromper até mesmo os laços familiares.
Entretanto, não é a biografia desse homem que nos interessa, mas seu comportamento naquela Páscoa. O texto acima nos leva a considerar a Doutrina da Providência, que aos meus olhos é uma das mais difíceis de ser compreendida e aplicada por nós. Essa doutrina ensina que Deus é suficientemente soberano para planejar e dispor de tudo e todos para o cumprimento de seu propósito. Bem elaborada por José em Gênesis 50.20 e mal interpretada inclusive por nossas versões, a verdade dessa doutrina é que inclusive os erros humanos cumprem os planos eternos de Deus. E é claro, juntamente com isso quero afirmar que o homem permanece responsável pelos seus atos ainda que tenham sido planejados por Deus. Como é indicado pelo Evangelista João, no caso de Caifás (Jo 11.49-53).
Por essa razão as suas palavras naquela assembleia se tornam relevante. Elas são profecia (Jo 11.51) inda que involuntária, e são igualmente corruptas por suas intenções. São verdades que aquele que as proferiu desconhecia, mas revelam o caráter e a ética de quem as proferiu. Elas pertencem a Caifás, mas foram apropriadas, compartilhadas e assumidas pelos membros do Sinédrio naquela noite. “...vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação.( Jo 11:50)
Obviamente Caifás revela seu utilitarismo com essa observação arrogante. “vós nada sabeis”. O motivo por trás das palavras é o medo de comprometimento de seu status de líder religioso, seu prestígio, seu governo e autoridade. Caifás manipula o medo, a partir de uma insinuada futura ação Romana contra os judeus causada pelo Mestre Galileu. O que está em risco segundo seu argumento é o Templo e o a Nação (Jo 11.48), a paz e a ordem do judaísmo, o bem da religião e do povo. É melhor morrer um que muitos, é numericamente razoável perecer um que todos, Se ele não for condenado e morto, todos estariam em risco. E do alto de sua ética utilitarista Caifás e a multidão atendem a essa “conveniência”. A conveniência de Caifás é a do sacrifício do outro a meu favor, e a conveniência de Jesus (Jo.10.16,17) é de sacrifício de mim mesmo a favor do outro.
Outro ponto importante da conduta de Caifás, é que ele não estava só. Há uma falsa ilusão que o fato de uma decisão ter sido tomada por uma assembleia possa dividir a responsabilidade. Aqui cito o sermão de Lightfoot, proferido na Catedral de St. Paul, em 1871, visto que não conseguiria argumentar melhor do que ele o fez. “Há algo inexplicavelmente chocante no pensamento de que a injustiça e a corrupção de uma grande assembleia é maior que a injustiça e corrupção praticada por um indivíduo. Até porque nela os apaixonados se excitam, os tímidos são silenciados, os imorais se sentem protegidos de qualquer consequência pelo número de pessoas, e todos acalmam a suas consciências pela divisão da responsabilidade... Sim, esta é a ilusão da multidão. Uma responsabilidade dividida! Como você pode dividir a sua responsabilidade? Há outro homem, ou corpo de homens, mestre de sua consciência, ou é você da deles? Você pode ter a maioria com você, ou a ter contra você, mas da sua voz, de seus sentimentos, de seu voto, você dará conta diante do Justo Juiz, que vê todas as coisas...Esteja certo, que por aquela medida, por aquele injusto veredito, por aquela desqualificada eleição, por aquele ato de coerção, você é igualmente culpado como se os tivesse cometido sozinho. Naquela floresta de mãos levantadas sua mão pode ter passada despercebida, no murmúrio de vozes clamando, sua voz pode não ter sido ouvida, mas esteja certo que ela foi ouvida no céu – clara e distintamente, com todas as suas individualidades, com sua peculiar ênfase – como se você tivesse quebrado o silêncio e ecoado no deserto.”
Enfim, reflito no íntimo se ao longo de meu exercício conciliar não acatei o conselho utilitarista de Caifás. Quantas vezes me escondi no tumulto de uma multidão para dividir uma responsabilidade que foi só minha. Ciente que os erros cometidos podem ter cumprido propósitos não revelados de Deus, ou não percebidos ou conhecidos por mim, reconheço que em nada diminui a responsabilidade de meus votos. Percebo que o silêncio conveniente é tão, senão mais, culpado que a mão erguida por interesse inconfessado, ou talvez, por temor do comprometimento do status pessoal. A simpatia dos iguais pode corromper a consciência.
E porque nesta Páscoa, quis lembrar-me daquela que é a verdadeira Páscoa, que me deparei com Caifás. E diferente dele, gostaria de celebrar a Páscoa com os asmos da sinceridade (1Co.5.8).
Quase ia me esquecendo, ignore os coelhos e coma os chocolates com moderação, pois comer chocolate faz muito menos mal que seguir o conselho de Caifás. Boa Páscoa!

Considerações sobre uma face do Face



“Alô!”

“Ahã”

“Filho, sou eu. Quero saber se o nosso compromisso de sábado à tarde está de pé, as 14.00 lembra? Para fazer a sua inscrição no curso.”

“Belê! Tchau!”

 

Essa é a transcrição de um diálogo entre um Pai e seu filho adolescente. Creio que está na íntegra, se errei foi por excesso. Revela tanto a criatividade humana para inventar expressões e se comunicar inteligentemente, como, por outro lado, a consequência inexorável da economia de palavras a qual estamos fadados. Minha opinião aqui não é crítica, ou melhor, se for, é autocrítica. Que direito tenho eu de condenar os adolescentes por usarem gírias e neologismos? Eu também tive os meus, que com o passar do tempo se tornaram “paia” e agora são “bregas” sem nenhuma chance de se tornarem “top”. Haverá um dia, e não muito depois desse, que as muitas expressões que pululam o nosso linguajar cotidiano serão inutilizadas pela necessidade dos jovens e adolescentes de falarem um idioma desconhecido dos adultos.

“Ahã”, “belê” e “tchau” resumem um discurso, um diálogo, e são por incrível que pareça quase sempre suficientes, mas veja bem, eu disse quase sempre. E é sobre esse quase que gostaria de discorrer aqui. Pouco antes de sua morte José Saramago fez um comentário sobre a brevidade dos diálogos no Twitter, em suas palavras:

"Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido"

Pode parecer extremo ou amargo, mas a preocupação de Saramago procede. Pensando sobre suas palavras e a evolução crescente do Facebook, primo mais moderno e eficiente do Twitter. Considero o seguinte:

1)      Que a nossa redução de palavras em uma conversação, seja por questão de tempo ou por economia de raciocínio, não ocorre sem ônus. Indico apenas dois desses casos. Faço assim por economia de tempo ou de raciocínio mesmo (não o meu, mas dos leitores nesse texto que já vai ficando longo). Por um lado, aumentamos o campo semântico das palavras, diminuindo sensivelmente as diferenças de nuance das expressões e termos. Por exemplo, o que significa “curtir” no face? Gostei? achei legal? Bonito? Engraçado? Concordo? ou foi só curiosidade? Há pouco tempo ainda ouvia algumas pessoas usarem a expressão “está curtindo com a minha cara”, ou seja pode ser que alguém ao curtir o que escrevi ou uma foto minha esteja zombando de mim (o que seria uma tradução razoável para “curtir no face”). Em resumo, à medida que aumentamos os significados dessas palavras, mesmo que elas sejam tomadas como gírias, eu perco os seus específicos sentidos.

O pior é que as expressões diminutas do nosso restrito vocabulário facebookiano, vêm desacompanhadas de contexto. Ou em frases tão curtas que um único particípio se torna o seu sujeito, verbo e predicado. Há poucos dias acompanhei alguém que postava: “comendo”, “dormindo”, e só. O que ele quis dizer fica por conta da minha imaginação. Sofremos no vernáculo o que já nos foi diversas vezes alertado quanto às nossas interpretações, especialmente as bíblicas. Quanto menos contextos maiores as deduções. Não sei porque, nem como, nem onde, nem quando, ou de quem e para quem, sei menos ainda para que. E sob tais condições deduzo, que meu amigo dorme o sono dos justos, ou se esqueceu de mudar seu post, deixando todo mundo com a ideia de que Morfeu lhe faz companhia. Imagino o universo de deduções que compõe a atmosfera do planeta Facebook nesse exato momento, e somente para não perder a oportunidade, cito novamente Saramago, em uma entrevista, em resposta à pergunta sobre a diferença entre escrever um livro e fazer o mesmo no seu blog (isso para dar o contexto): “Nenhuma. Continuo a utilizar frases longas, das que dão espaço e tempo para observações e análises que considero necessárias. A tão louvada clareza das sínteses é, não raro, enganosa”. Isso explica a multiplicação de enganos frutos da rede, contudo colhidos na vida pessoal.

2)      Além do mais me preocupam algumas expressões não muito adequadas que encontramos na rede social. Confesso, com medo de ofender algumas pessoas a quem quero tão bem, que não tenho e não sou “amigo” de 1.000 pessoas. Primeiro que isso é humanamente impossível, segundo porque, a expressão “amigo” tornou-se um genérico de múltiplas relações humanas, mas especialmente porque com nossa tendência à ilusão findamos acreditando que realmente todos eles são nossos “amigos”, e que “curtem” os nossos “posts”. Luto para continuar acreditando que amigos são aqueles que tomam café na sua cozinha e riem da vida ao seu lado, e choram suas dores também. Aqueles que dizem, às vezes, a verdade que dói, mas que cura, porque foi dita somente a você.

3)      Isso me leva a terceira e última conclusão. Acompanho no Face a campanha para colher assinaturas contra o Big Brother Brasil, prevejo que absolutamente nada irá acontecer. Penso assim porque creio que uma boa parte daqueles que assinarão o protesto irão dar uma “espiadinha na casa”. O que tira um programa do ar é a perda de audiência. Entretanto, os reality shows já estão encarnados em nossa cultura. Seja nas telinhas da TV, do computador ou mesmo dos celulares. Programas como Facebook ou Instagram me dizem o onde estão e o que as pessoas estão fazendo em tempo real. A vida se tornou um imenso reality show.

 

Por fim, você deve estar se perguntando ou quem sabe já deduzindo porque eu continuo no facebook. Quando me venderam a ideia, me disseram que era um poderoso meio de comunicação que além de eficiente era extremamente barato. Acredito que seja sim. E que por isso ele é essencial para a vida profissional. Foi por essa única e específica razão que entrei no facebook e me mantive lá até agora. Enfim, espero que meu texto não seja vítima de algum mal entendido ou fruto de especulações acerca da minha real motivação ao escrevê-lo, cito com a indevida liberdade literária a frase atribuída a Jânio Quadros, inclusive com a sua imprecisão, “Fi-lo, porque qui-lo. Lê-lo-á quem suportá-lo!”. Fica aqui o pedido de desculpas antecipadas àqueles que porventura vierem a se ofender e o convite aos amigos para um café na mesa de minha cozinha.

Até breve! BELÊ?


Eu também sou irmão de Maria
Uma consideração sobre Lucas 4.38-42



Minha conversão se deu em plena adolescência, pouco antes de completar 16 anos. Época em que ainda exibia a onipotência da juventude, aquela confiança de que tudo é possível e que podemos fazer diferente de todos. Mas esse é outro assunto, nessa ocasião quero tratar sobre Marta. Meu contato com as histórias bíblicas se deu a partir dessa época. Lembro-me quão perplexo ficava ao conhecer histórias que revelavam o caráter de Jesus, e como tudo fazia mais sentido. No entanto, as histórias inevitavelmente vieram acompanhadas das interpretações clássicas dessas passagens, algumas corretíssimas, outras nem tanto. Esse é o caso da pequena história sobre Marta e Maria, descrita em Lucas 10.38-42. Cresci o pouco que me faltava crescer já que tinha 16 anos, vendo Marta como exemplo negativo de materialismo, uma vez que não dava muito valor aos ensinos espirituais do Senhor, ou de perda de prioridades. É verdade que eu mesmo devo ter exposto essa passagem sob tal prisma, e ensinado pessoas a restabelecerem sua espiritualidade no sentido oposto do exemplo de Marta. Portanto, o que escrevo aqui não é uma crítica a pregadores, mas uma débil tentativa de resgatar o verdadeiro sentido dessa passagem, inclusive para mim.

Para se compreender essa e outras passagens bíblicas devemos observar o contexto. Fica claro que Lucas não segue uma ordem cronológica para descrever os acontecimentos. Se considerarmos que Marta, Maria e Lázaro residiam em Betânia e que Jesus descia para Jerusalém, seria de se esperar que esta narrativa estivesse pelo menos próxima da entrada triunfal (cap. 19), talvez após sua entrada, seguindo as narrativas paralelas de Marcos e Mateus (cf. Mc.11.15ss e Mt 21.17). Mas se Lucas não segue uma ordem cronológica dos acontecimentos, que ordem seguiria, ou melhor que intenção teria tido ao transferir essa passagem para esse contexto? Trata-se de uma longa sessão que tem como pano de fundo o farisaísmo. A parábola do Bom Samaritano, A oração do Senhor, A blasfêmia dos fariseus, o Sinal de Jonas, entre outras, comprovam que o que está em foco é a divergência havida entre o cristianismo e o farisaísmo. Isso nos leva a perguntar, como a história de Marta e Maria se encaixam nesse contexto?

Creio que a definição do que seria a “boa parte” referida por Jesus também é crucial para entendermos a história. Ora, não penso que “melhor parte” seja a escolha do ensino em detrimento do trabalho, nem da espiritualidade em desfavor do serviço. O que está em cena não é o contraste de prioridades, mas a perspectiva judaica frente ao ensino de Jesus. Ou se puder ser mais explicito o farisaísmo versus o evangelho. Sendo assim, ouso afirmar que a melhor parte é o evangelho, e que Marta ainda cogita ou vê a pessoa de Jesus dentro do escopo da cultura farisaica. E essa é a razão porque Lucas narra o incidente. De um lado temos a atitude previsível e submetida à sua cultura de Marta, e do outro a ousada atitude de sua irmã Maria.

Maria transgrediu a sua tradição quando se “quedou” aos pés de Jesus. Primeiro, porque tal atitude seria considerada desonrosa para uma mulher. É de se imaginar que Maria se assentava em uma roda masculina composta, no mínimo de Jesus, seus discípulos e Lázaro seu irmão. Em segundo lugar, Maria também se omitiu da realização das tarefas domésticas próprias da tão recomenda de hospitalidade legal. A reação de Marta é o tipo, ou exemplo se preferir, da atitude farisaica. Nas palavras e queixas de Marta temos vazada toda a atitude dos fariseus diante da contravenção aos seus costumes e tradições.

“Marta agitava-se... ocupada...” As palavras mais do que descrever uma determinada circunstância, descreve um estado emocional (“...andas inquieta e te preocupas...”). Marta está aflita e ansiosa por cumprir uma série de trabalhos que atendem à sua tradição. Suas palavras dirigidas a Jesus, “não te importas” vem carregada de reprimenda como os discípulos um dia também o fizeram (Mc. 4.38). E como os fariseus repetidamente confrontaram Jesus frente aos aspectos mais variados de suas tradições, Marta o fez. Dessa forma ela resolveu, à luz de sua cultura e tradição qual deveriam ser a atitude de sua irmã e maneira pela qual Jesus deveria ser servido, e como ele deveria agir em relação à Maria. Daí a resposta amorosa de Jesus para essa mulher crente e fiel: “uma cousa só...” . A mensagem central do Evangelho, basta Jesus, e somente ele. Toda a tradição pode ser relegada a segundo plano em favor da melhor parte, o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

E esse é meu ponto, Marta é vitima do erro que cometeu. Hoje vejo o juízo que fazemos sobre a espiritualidade de Marta, sob o crivo de nossas tradições evangélicas. Criticamos a ausência em escolas dominicais e cultos, utilizando o exemplo de Marta como uma mulher que trocou o ensino pelo trabalho, o “quedar-se” pelo “agitar-se”, ou seja, julgamos a espiritualidade de Marta sob crivo de nossa tradição. O que devo aprender com Marta? Não é restabelecer as minhas prioridades, mas não julgar a espiritualidade das pessoas pelas minhas tradições e cultura, porque uma cousa só é necessária: Jesus. E ao me deparar com essa verdade, percebo quão fariseu eu ainda sou, ao julgar a vida espiritual dos outros baseado em meus conceitos. E vejo assim, que eu também sou irmão de Maria. Pois ainda julgo Martas e Marias. Que Deus me ajude!