Nós e nossos medos, todos os temos. Manifestam-se de formas
diferentes, seus objetos são diferentes, mas sem exceção, todos nós sentimos
medo. O medo como todos os demais sentimentos da vida tem sua face iluminada.
Ele nos preserva de riscos indevidos, e nos alerta para situações de ameaça
para que não vivamos levianamente. O mundo seria uma catástrofe se os homens
não sentissem medo. Sua face escura é quando nos paralisa, nos anestesia, nos
deixa perplexos diante de situações que deveríamos enfrentar. Se a escassez de
medo nos torna levianos, o medo em excesso nos faz covardes. Sendo honestos
reconhecemos a verdade que todos temos os nossos medos. A maioria das pessoas
tem medo da morte, mas há aqueles que têm medo da vida. Há pessoas com medo da
solidão e há pessoas com medo de pessoas. O medo de amar é mais comum do que
imaginamos, pessoas que se encastelam de tal forma que não dão à pessoa ao seu
lado a possibilidade de se sentirem amadas. Chamamos esse medo de insegurança, ou
seja, quando não nos entregamos ao outro por medo de sofrer. Medo da velhice,
medo da dor e sofrimento, medo da pobreza, seja qual for eles são inescapáveis
em seu alcance, insuportáveis em sua presença e inevitáveis em suas
consequências. De onde eles procedem?
Eles procedem de nossa
humanidade, mais propriamente de nossa criação. Mas como tudo o que Deus criou
perfeito foi corrompido por nossa queda, o medo também o foi. Para ser mais
preciso o medo excessivo, o medo pecaminoso, o medo ruim que procede de nossa
incapacidade de crer, e como consequência do que acabo de escrever, da nossa
incompreensão da pessoa nosso Redentor. Se conhecêssemos a soberania do Pai, o
poder do Filho, e a providência do Espírito, não haveria razão para esse tipo
de medo. Raciocine comigo, por que me afligir quando a enfermidade chega se
conheço a sua autoridade? (Lc 7.8) Por que temer os homens me podem fazer se
conheço o “Rei dos reis e Senhor dos senhores”? (1 Tm 6.15) “O Senhor é a minha
luz, e a minha salvação, a quem temerei?” (Sl 27.1). E por favor, não me
entenda mal, não estou ensinando que possamos ou devamos viver sem temores e
preocupações nenhuma. Se sentirmos medo Deus é bom, e nos conforta, anima e
ensina a lidar com o medo. Entretanto,
precisamos enfrentar a dura realidade que boa parte de nossas ansiedades e
medos que procedem da nossa negligência em entender quem é Jesus.
E aqui começa a nossa navegação
no texto do Evangelho de Marcos 6.45-52. Perceba meu paciente leitor, que esse
texto vem acompanhado de explicações. Marcos revela que a causa do medo
aterrorizante dos discípulos é por que eles “não
compreenderam o milagre dos pães, antes tinham o coração endurecido”. Tente
imaginar a cena juntamente comigo, Jesus estivera em sua terra, Nazaré, e
retirou-se de lá admirado da incredulidade de seus vizinhos (6.1-6). Nessa
ocasião os seus discípulos são comissionados e enviados para uma missão a ser
realizada por eles, inclusive com exercício de poder em nome de Jesus, a ponto
de curarem e expelirem demônios, além de pregarem o arrependimento (6.7-13). Esses
eventos chamaram a atenção de Herodes, a ponto ter suscitado a pergunta que
governa a passagem: Quem é esse? A identidade de Jesus é que está sendo
discutida por meio dessa passagem, seja em Nazaré (6.3), seja da parte de
Herodes ou da população da Galiléia (6.14-16). Quem é ele?
Então ao retornarem os discípulos
Jesus se retira com eles de barco para que repousassem (6.31). Contudo, nos diz
Marcos que tendo sido reconhecido pela multidão, as pessoas correram a pé,
contornando o Mar até o alcançarem do outro lado da margem (6.33). Ao perceber
a multidão Jesus se compadece e passa a ensiná-los, até que foi interrompido
pelos discípulos. Era preciso despedir a multidão para que pudessem se
alimentar (6.35,36). Mas como sempre, as situações adversas e os problemas que
nos afligem nada mais são do que plano de Deus para cumprimento de seu
propósito e oportunidades de lições caríssimas aos que se entendem discípulos.
Os discípulos foram despedidos por Jesus antes do cair da tarde, no início da
noite Jesus percebe que estão enfrentando vento contrário e com dificuldade
tentam remar (6.47). Após aproximadamente 9 horas de navegação, por volta das 3
horas da madrugada Jesus os alcança (6.48). A reação dos discípulos é de medo,
gritam e consideram ser um “fantasma”. Provavelmente, pensaram se tratar de um
espírito, que segundo a crença popular costumava aparecer antes das embarcações
naufragarem (6.49).
Para não me delongar, aponto aqui o propósito
da passagem. Mais uma vez, Marcos faz o contraste. Essas comparações
surpreendentes que nos tomam de surpresas quando devidamente compreendidas.
Neste caso, a multidão compreendeu o que os discípulos não perceberam, viram o
que eles não viram, a multidão soube quem era Jesus.
A multidão correu ao redor do
lago porque ali estava o Messias esperado, o Redentor de Israel, o Profeta que
deveria vir ao mundo. Note que outra multidão o reconhece quando ele e seus
discípulos aportam após a tempestade (6.54). O mais significativo é o fato que
na narrativa paralela no capítulo seis do Evangelho de João, é deixado evidente
que a multidão compreendeu quem ele era (Jo 6.14), embora não tivessem
compreendido sua missão em direção à cruz (Jo 6.15). Quanto aos discípulos eles
“não compreenderam o milagre dos pães”.
Mas afinal, o que a multidão viu? O que os discípulos não compreenderam? O que
o Evangelho quer nos mostrar? Quem é ele?
Ele é o Pastor enviado por Deus
para reunir seu rebanho (6.34, Jr.23.4), Ele é o Pastor do Salmo 23, cuja graça
faz com que nada nos falte. Assim, como o maná foi derramado no deserto para o
sustento do seu povo, assim ele sacia a fome da multidão, e os ensina como quem
pastoreia seu rebanho. Não estou dizendo que não sofreremos desemprego e
privações, mas que viverei em paz porque “o
Senhor é meu pastor, e nada me faltará (Sl 23.1)”.
Ele é o Senhor que preside aos
dilúvios (6.51, Sl 29.10), e que como Rei o presidirá para sempre. Esta é a
segunda vez que ele domina a tempestade, revelando o que os discípulos não
compreenderam por não crer plenamente (6.52) porque tinham o coração
endurecido. A dureza de coração significa falta de fé (Mc 16.14).
Ele é mais do que isso, é aqueles
cujas enfermidades são curadas pelo simples toque em sua orla (6.56), Seja a
multidão anônima, seja a mulher hemorrágica, igualmente anônima (cf.5.27). Mas um toque em suas vestes é
suficiente, não desejo afirmar que todas as pessoas serão curadas, mas que não
há enfermidade que não esteja sob seu domínio.
Mas acima de tudo, ele é aquele
que afirma como no Antigo Testamento, EU SOU (3.14). Em grego o texto diz, ego eimi, em hebraico Iavé. O Senhor está ali, a natureza reconheceu
e obedeceu, a multidão percebeu, mas os discípulos não compreenderam.
Cá estou eu, muitos anos depois.
Atemorizado com a vida, vivendo meus medos tão privados e particulares que só
eu e Deus os conhecemos. Cá estou eu, me alimentando de lágrimas (Sl 42.3),
inseguro, perplexo, paralisado diante de uma vida que infunde mais medo que a
própria morte. Cá estou eu, em minhas noites silentes e madrugadas insones. Cá
estou eu discípulo como os demais discípulos, com o coração tão endurecido como
aqueles, e ainda sem entender quem ele é. E em meio à angústia, em busca do meu
Pastor, à espera do Rei, tão somente gostaria de ouvir o que ouviu Jairo (5.36),
e o que ouviram os discípulos (6.50): “Tende
bom ânimo! Eu Sou, Não temais!”
2 comentários:
Aos poucos a gente aprende a conhecê-lO. Beijos,primo Lindo seu texto.
Como me encaixo nessa realidade!!!.. Obrigado pela reflexão e verdade que liberta, pela verdade muitas vezes esquecida em nossos corações mas que mais uma vez pela graça de Deus nos é manifestada..
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