Caifás, porém, um dentre eles, sumo
sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, nem considerais
que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a
nação. (João
11:49-50)
Chega de coelhos e chocolates,
não quero mais ouvir e nem falar mais sobre esse assunto. A Páscoa é muito mais
que discussões vazias que mais enfatizam que corrigem a nossa celebração. Na
páscoa há mais fatos e personagens importantes que merecem nossa atenção e que
pela polemica fútil de coelhos e chocolates são esquecidos. Arrisco-me aqui a
pensar em alguns deles que tiveram participação efetiva naquela que foi a
Páscoa das páscoas. Aquela que todas as demais deveriam lembrar ao celebrar. E
te convido a olhar para esse judeu, que celebrou aquela páscoa como nós
anualmente celebramos as nossas. Como foi a páscoa de Caifás?
Caifás foi, segundo o
historiador Flavio Josefo, Sumo Sacerdote entre os anos 18 a 36 A.D. Como se
supõe mantinha relações “amigáveis” com o Império Romano, e particularmente com
Pilatos. Este último conhecido pelas ofensas feitas à religião dos judeus, em
cujas réplicas não se encontram defesas advindas de Caifás, numa indicação de
silêncio político. Seu sogro havia sido sacerdote entre os anos 6 a 15, e fica
evidente a natureza política dessas relações, que como nos dias de hoje
terminam por dominar e não poucas vezes corromper até mesmo os laços
familiares.
Entretanto, não é a biografia desse
homem que nos interessa, mas seu comportamento naquela Páscoa. O texto acima
nos leva a considerar a Doutrina da Providência, que aos meus olhos é uma das
mais difíceis de ser compreendida e aplicada por nós. Essa doutrina ensina que
Deus é suficientemente soberano para planejar e dispor de tudo e todos para o
cumprimento de seu propósito. Bem elaborada por José em Gênesis 50.20 e mal
interpretada inclusive por nossas versões, a verdade dessa doutrina é que
inclusive os erros humanos cumprem os planos eternos de Deus. E é claro,
juntamente com isso quero afirmar que o homem permanece responsável pelos seus
atos ainda que tenham sido planejados por Deus. Como é indicado pelo
Evangelista João, no caso de Caifás (Jo 11.49-53).
Por essa razão as suas palavras
naquela assembleia se tornam relevante. Elas são profecia (Jo 11.51) inda que
involuntária, e são igualmente corruptas por suas intenções. São verdades que
aquele que as proferiu desconhecia, mas revelam o caráter e a ética de quem as
proferiu. Elas pertencem a Caifás, mas foram apropriadas, compartilhadas e
assumidas pelos membros do Sinédrio naquela noite. “...vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação.( Jo 11:50)
Obviamente Caifás revela seu
utilitarismo com essa observação arrogante. “vós nada sabeis”. O motivo por
trás das palavras é o medo de comprometimento de seu status de líder religioso, seu prestígio, seu governo e autoridade.
Caifás manipula o medo, a partir de uma insinuada futura ação Romana contra os
judeus causada pelo Mestre Galileu. O que está em risco segundo seu argumento é
o Templo e o a Nação (Jo 11.48), a paz e a ordem do judaísmo, o bem da religião
e do povo. É melhor morrer um que muitos, é numericamente razoável perecer um
que todos, Se ele não for condenado e morto, todos estariam em risco. E do alto
de sua ética utilitarista Caifás e a multidão atendem a essa “conveniência”. A
conveniência de Caifás é a do sacrifício do outro a meu favor, e a conveniência
de Jesus (Jo.10.16,17) é de sacrifício de mim mesmo a favor do outro.
Outro ponto importante da
conduta de Caifás, é que ele não estava só. Há uma falsa ilusão que o fato de
uma decisão ter sido tomada por uma assembleia possa dividir a responsabilidade.
Aqui cito o sermão de Lightfoot, proferido na Catedral de St. Paul, em 1871,
visto que não conseguiria argumentar melhor do que ele o fez. “Há algo inexplicavelmente chocante no
pensamento de que a injustiça e a corrupção de uma grande assembleia é maior
que a injustiça e corrupção praticada por um indivíduo. Até porque nela os
apaixonados se excitam, os tímidos são silenciados, os imorais se sentem protegidos
de qualquer consequência pelo número de pessoas, e todos acalmam a suas
consciências pela divisão da responsabilidade... Sim, esta é a ilusão da
multidão. Uma responsabilidade dividida! Como você pode dividir a sua
responsabilidade? Há outro homem, ou corpo de homens, mestre de sua
consciência, ou é você da deles? Você pode ter a maioria com você, ou a ter
contra você, mas da sua voz, de seus sentimentos, de seu voto, você dará conta
diante do Justo Juiz, que vê todas as coisas...Esteja certo, que por aquela
medida, por aquele injusto veredito, por aquela desqualificada eleição, por
aquele ato de coerção, você é igualmente culpado como se os tivesse cometido
sozinho. Naquela floresta de mãos levantadas sua mão pode ter passada
despercebida, no murmúrio de vozes clamando, sua voz pode não ter sido ouvida,
mas esteja certo que ela foi ouvida no céu – clara e distintamente, com todas
as suas individualidades, com sua peculiar ênfase – como se você tivesse
quebrado o silêncio e ecoado no deserto.”
Enfim, reflito no íntimo se ao
longo de meu exercício conciliar não acatei o conselho utilitarista de Caifás. Quantas
vezes me escondi no tumulto de uma multidão para dividir uma responsabilidade
que foi só minha. Ciente que os erros cometidos podem ter cumprido propósitos
não revelados de Deus, ou não percebidos ou conhecidos por mim, reconheço que
em nada diminui a responsabilidade de meus votos. Percebo que o silêncio
conveniente é tão, senão mais, culpado que a mão erguida por interesse
inconfessado, ou talvez, por temor do comprometimento do status pessoal. A simpatia dos iguais pode corromper a consciência.
E porque nesta Páscoa, quis
lembrar-me daquela que é a verdadeira Páscoa, que me deparei com Caifás. E diferente
dele, gostaria de celebrar a Páscoa com os asmos da sinceridade (1Co.5.8).
Quase ia me esquecendo, ignore os
coelhos e coma os chocolates com moderação, pois comer chocolate faz muito
menos mal que seguir o conselho de Caifás. Boa Páscoa!
1 comentários:
Que maravilha ler o que vc escreve meu irmão bjo !!!
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