A BUSCA PELA JUSTIÇA
É como uma viagem. À medida que a estrada nos leva para longe de nosso ponto de partida, corremos o risco de perder, não só de vista, mas da memória também, a nossa origem. Parece remoto, mas não deixa de ser um risco. Como um risco também é esquecermos para onde vamos. Assim, se não sei para onde vou e não sei de onde eu vim, posso me considerar perdido. E antes que me julgue tolo por fazer tais afirmações, quero ressaltar que não é propriamente de uma viagem que estou tratando. Falo de outra, onde se perder é mais comum do que imaginamos, eu falo da busca pela justiça. Vista como uma virtude, tratada como um valor inestimável, a busca pela justiça pode se tornar uma viagem perdida, ou pior podemos nos perder nesse caminho. Incorremos inúmeras vezes no erro de nos esquecermos de nossa origem, e assim nos enxergar como mais justos que a própria justiça, considerando-nos como padrão dela. E corremos o risco de nos esquecermos para onde vamos, fazendo assim com que a busca se torne mais importante que a própria justiça, num pragmatismo invertido, onde o meio é maior que o fim, e a estrada mais importante que e o destino.
Exemplos? Você já sabe, falarei dos fariseus. Mas não para condená-los ou desprezá-los, do contrário estarei incorrendo no mesmo erro que eles cometeram e me condenando naquilo que aprovo (1 Co. 14.22). Coloco-me ao lado deles, ciente de que por vezes o risco tornou-se um fato em minha vida, e a ameaça uma realidade em mim. Em particular, olho para o texto do Evangelho de Lucas: Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros (Lucas 18:9). Aqui, de maneira simples e lógica, Jesus revela a amplidão de nosso farisaísmo e a sutileza de nossa hipocrisia. Em resumo, ser fariseu é fácil e rápido, basta você se considerar justo. Note bem, não justo porque foi justificado por “aquele que não conheceu pecado, e que ele (Deus) o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Mas se considera justo porque persegue a justiça, porque a busca, porque se lançou nessa viagem e agora esquecido de onde veio (1 Tm 1.15,16) não sabe para onde vai (Fil 3.14). Então, a virtude da busca se torna o pecado da soberba. E o simples fato de ter iniciado a viagem não significa que cheguei ao destino. É por isso que diversas vezes me considerei justo e julguei os outros não pelo crivo das Escrituras, mas pela balança infiel de minha auto-avaliação.
A clareza de Jesus alcança também, nesse texto, as consequências nefastas de tal comportamento. Em primeiro lugar, Jesus explica que estes homens passaram a se considerar justos, por confiar em si mesmos. Consequência lógica, mas não óbvia. Tanto que, como eles, não percebemos como o fundamento de nossa fé e esperança pode mover-se de maneira quase imperceptível de Cristo para nós, da obra da Cruz para a nossa conduta diária, da justiça dele para a nossa justiça. É simples perceber o quanto isso é comum entre nós. Mesmo nós que condenamos o Arminianismo, com uma facilidade impressionante, insistimos em nos aproximar de Deus por meio de nossa “justiça”. Sentimos-nos à vontade em sua presença porque nosso comportamento durante a semana foi, aos nossos olhos, exemplar. Sentimos-nos inabilitados para o culto quando nossa conduta, em nossa avaliação, deixou a desejar. Sinto-me justo pelo simples fato de confessar liturgicamente o meu pecado e não por me arrepender e confiar naquele que foi feito propiciação por mim (1 Jo 2.1,2) Em resumo, confio em mim mesmo, e não naquele que é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 Jo 1.9).
A segunda consequência demonstrada por Jesus é o desprezo pelos outros. Uma vez que o padrão de justiça sou eu, então ninguém, a não ser eu mesmo, alcança a justiça que eu represento. De mãos dadas por essa estrada pela qual a justiça é buscada, caminham o orgulho e o desprezo. “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano (Lc 18.11)”, diz o justo com aspas. Eu não sou roubador, por isso sou o homem mais honesto do mundo como afirmou o nosso ex-presidente. Nem injusto, por isso desprezo aqueles que não vivem como eu, e muito menos adúltero, minha fidelidade está acima de juízos e julgamentos. Estou acima, muito acima dos publicanos. Desprezo é diretamente proporcional ao meu conceito de mim mesmo. Quanto melhor eu penso de mim, menos eu considero os outros. E por buscar a justiça com avidez, alguns desprezam os outros com tanta acidez.
A terceira e última consequência deve ser deduzida do contexto, quem lê o capítulo na sua íntegra verá que dois assuntos caminham paralelos às narrativas: Oração e justificação. A Parábola do juiz iníquo e do publicano e fariseu tratam de oração, a narrativa sobre as crianças e o jovem rico, falam de justificação. Daí a afirmação de Jesus na conclusão da parábola, “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.” (Lc. 18.14). A busca pela justiça pode nos induzir a autoconfiança e daí a nossa oração se esvazia. Ela torna-se discurso, autoconvencimento, mas não oração. Quem confia em si mesmo e despreza os outros; quem se considera justo, ora de si para si mesmo (Lc. 18.11). Ele não fala com Deus, ele fala consigo, ele não se compara com a santidade e justiça de Deus, mas compara a sua justiça e santidade com a dos outros pecadores. Ele não é grato a Deus, pela justificação, mas grato a si mesmo por não ser como os demais. Por isso sua oração é ineficaz, e ele não é justificado (Lc. 18.14).
Graças te dou, ó Pai, porque sou como Zaqueu, o Publicano (Lc. 19), e sou também, como o Jovem Rico, (Lc. 18). Porque me mostras o perigo de minha justiça própria ao mesmo tempo que me convence que sou roubador, injusto e adúltero. Por isso, clamo para que sejas propicio a mim pecador, e não permita que na busca da justiça, me esqueça de minha origem pecaminosa, e nem tão pouco faça da minha busca um destino mais importante do que o Senhor. E peço que me livre do risco de pensar que uma oração possa justificar-me, que atos litúrgicos possam justificar-me, que muitas obras e ações humanitárias possam justificar-me, que bom comportamento possa justificar-me, que minha fome e sede de justiça possam justificar-me. Que eu não confie em mim, mas só em Jesus e em Jesus só.
Marcadores:
Mensagens Bíblicas,
reflexão bíblica
|
Estou lendo: a busca pela justiçaTweet this! | Assine o Feed |
Artigos Relacionados
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário