Eu e ela.
(Lucas 7. 36 a 50)
Eu, um Santo; ela, uma pecadora. Eu, justo; ela, eternamente culpada. Eu, limpo e purificado; ela, enodoada pela vida. Eu, fiel; ela ícone da infidelidade. Eu, piedoso e religioso; ela, ímpia e profana. Eu, referência de espiritualidade; ela, exemplo de perdição. Eu, cidadão do reino; ela, excomungada. Eu caminho na luz; ela habita nas trevas. Eu, símbolo da obediência; ela, rebelde por natureza. Eu, cheio de domínio próprio; ela, vendida ao seu vício. Eu, preservador de valores; ela, um mau social; Eu, a ética em pessoa; ela, filha da infâmia. Eu, o modelo do bem; ela a face do mal. Eu, o sábio do Salmo 1; ela a vil mulher de Provérbios. Eu e ela, e entre ela e eu, ELE.
Eu o recebi de frente, ela se aproximou por trás. Eu, exibi meu orgulho, ela escondeu sua vergonha, como se isso fosse possível. Eu fui seu anfitrião; ela não passava de uma intrusa. A mim toda honra, a ela o desprezo. Eu, cercado de amigos; ela apontada pelos inimigos. Eu sorri para ele; ela lhe ofereceu lágrimas. Eu lhe convidei para um jantar; ela só tinha sua dor para oferecer. Eu lhe dediquei não mais que minha simpatia compulsória; ela, a trasparência de sua amargura. Eu não lhe ofereci as honras da casa; ela as trouxe da rua, fruto de seu trabalho. Eu lhe servi à mesa minha alegria hipócrita; ela derramou sob seus pés sua agonia sincera, pura e verdadeira como deve ser o sofrimento. Eu lhe demonstrei minha covardia para pensar diferente e de romper com aquilo que me afastava dele; ela por sua vez, manifestou sua coragem em se expor em busca de perdão. Assim estávamos lá, eu, ela e ele. E entre nós, meus pensamentos e suas palavras.
Pensei em meu íntimo, naquele lugar que julgamos ninguém pode penetrar. Falei, mas falei para mim mesmo, somente nas parede do meu coração ecoaram minha voz incrédula. Eu lhe tributei minhas dúvidas, disse essas duas letras que revelaram mais do que eu pretendia: “se”. Ela, por sua vez, ali, derramando em seus pés as suas certeza, resolução e convicção. Tributou-lhe mais que perfumes e unguentos, ela lhe tributou a fé. As minhas dúvidas não me deixaram ver que ali estava aquele para quem nossa vida é um livro aberto, diante de quem estamos sempre despidos, expostos e visíveis. Quisera eu esconder meus pensamentos e ocultar meus sentimentos, mas não pude. E sua voz descortinou as minhas aparências, suas palavras demoliram minha lógica e me fizeram ver que ela fez o que era minha responsabilidade fazer. Assim, ela se foi perdoada, e eu fiquei mais culpado que antes. Ela foi em paz, e eu fiquei com minha angústia. Ela se foi redimida e eu fiquei com o meu pecado travestido de religião. Por que? Porque eu pensava que não tinha muitos pecados para serem perdoados. Foi por isso que dele ouvi:
“…perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.”
A diferença entre eu e ela era uma única, o amor por ele.
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