Hoje foi um dia triste. Triste como são os dias de chuva para quem observa a vida pela janela de um quarto vazio. Não vazio de móveis, não vazio de objetos, mas vazio de gente, vozes e assuntos. Triste porque dias assim revelam nossa insegurança, nossa fragilidade, nossa impotência diante da vida. Nesses dias somos menos deuses e mais humanos, menos onipotentes e mais dependentes. A vida escorrega de nossas mãos, escapa de nossas amarras e fica à deriva no oceano de incertezas. Nessas horas temos a verdadeira dimensão de nós, despidos de nossas grandezas auto-definidas, reduzidos pelos incontroláveis fatos e diminuídos pelas circunstancias indomáveis. Estou triste porque sou homem, e compreendi as limitações de sê-lo.
Foi hoje que me senti assim, e sei que esse sentimento é decorrência de três fatos. Um deles guardarei comigo como quem guarda o segredo da caixa forte de sua alma. Mas os outros dois eu lhes conto. Me senti assim porque hoje partiram o Carlão e a Ademy. No mesmo dia, um pela manhã e o outro à tarde. Partiram, dormiram, descansaram... tudo eufemismo que usamos para enfrentar a morte. Precisamos dessas armas para que o sofrimento não nos consuma, nem sempre conseguimos. Não fomos preparados para perder, separar-nos, deixar partir e ainda assim viver. Para nós a vida que se vive sem alguém que julgamos imprescindível em nossa vida é mera existência, como a planta na sacada que apenas existe por força maiores que ela.
Triste, essa é a palavra. Contudo sei que essa tristeza é necessária. Como afirma Pascal Mercier, “a morte é necessária porque ela dá urgência à vida.” Sem ela tudo ficaria para depois, os projetos se tornariam indefinidos, não haveria prazos e nem pressa. Mas, uma vez que a morte nos espera, viver passa a ser uma urgência, um compromisso inadiável. Uma tristeza necessária porque ela nos educa a valorizar pessoas que passam pela nossa vida. E digo passam, porque a morte nos mostra que não as temos, não as possuímos, por mais que nos esforcemos para nos apropriar delas. Por um momento fugaz elas compartilham conosco sua respiração e batimentos cardíacos, e depois partem. Daí a urgência de vivermos as pessoas antes que o “para sempre” se dilua na liquidez etérea de nossa vida.
Triste, essa é a palavra, Contudo sei que essa tristeza é alegre. Paradoxalmente alegre, diga-se de passagem. Alegre por ter usufruído da vida deles, ainda que em dose homeopática. Alegre porque eles passaram por aqui, e deixaram um pouco de si mesmos dentro de mim. Alegre porque as lembranças de sorrisos, gentilezas e brincadeiras ficam. Não mais encontrarei a gentileza de minha amiga. Não mais ouvirei a voz grave de meu amigo, seu abraço enorme me envolvendo e me fazendo desaparecer nele, e ele não mais me chamará de pastor mórmon. Sem duvida o mundo está hoje mais triste e muito mais vazio. Não por causa do espaço que o Carlão ocupava no mundo, que não era pouco, mas o espaço que ele ocupava em meu coração.
Nada mais posso fazer do que ficar triste de uma tristeza necessária e alegre. E dizer, “tragada foi a morte pela vitória”, Amém.
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