A consciência é um lugar singular. Dizem que lá não existem estações , pode se ter um dia de sol e uma tarde de chuva, frio e calor num piscar de olhos. Porque é assim? Porque a consciência é instável. Diferente de nosso clima, lá não sabemos como será o dia de amanhã, ela é imprevisível. Uma outra característica da consciência é que ela tem uma paisagem única em cada pessoa. Foi assim numa noite sem luar ou em um dia sem sol, que em nosso caso faz pouca diferença, que esse diálogo se deu. Alí, no caminho íngreme e sofrido que sobe entre árvores retorcidas e terrenos áridos foi que a Culpa e o Arrependimento se encontraram mais uma vez.
Olha só, que surpresa! Disse a culpa encenando simpatia.
Eu tinha certeza que ia te encontrar. Falou o arrependimento tentando dar um caráter mais verossímil àquele encontro.
Por que?
Porque todas as vezes que eu sou requisitado eu sei que você está por perto.
Isso te incomoda?
Não, pelo contrário, acho mesmo necessário esse encontro. O que não é necessário é que você continue o caminho quando a sua missão já foi cumprida.
Você e suas teses... acho que você tem problema com sua auto-estima, o que te faz pensar você é mais importante que os outros? Disse a Culpa demonstrando sua irritação, uma vez que sua relação com o arrependimento sempre se demonstrou confusa.
Não me julgo mais importante que ninguém, apenas estou tentando mostrar a você que nós não somos eternos, e que um dia precisamos deixar a consciência das pessoas sentirem a paz de nossa ausência.
É, e como você espera fazer isso, ignorando a Culpa?
Claro que não, mas encontrando o Perdão. Aliás é exatramente isso que estou tentando fazer agora.
E aí ao encontrá-lo você entrega a consciência da pessoa sob os seus cuidados e vai embora.
Exatamente, esse é o meu papel, levar a pessoa até encontrar o Perdão.
E posso te perguntar qual é o meu papel nessa sua “teologia”?
Você sabe, o Criador quer que você desperte as pessoas para seus erros e depois a entregue à mim para que eu possa conduzí-las ao Perdão.
Tudo parece tão simples para você. Ironia.
É simples, se você lesse a Bíblia perceberia que é verdade, o Criador não quer atormentar os humanos, deseja aliviar suas consciências e isso só é possível através do Perdão.
Lá vem você com esse papo de religião, como você gosta de tentar resolver o problema das pessoas com preceitos religiosos.
Religião não meu amigo, disse Arrependimento baixando seu tom de voz, isso é Evangelho. E depois, não se faça de desentendido, você adora usar a religião para deixar as pessoas mais culpadas do que já são.
Você sabe que ninguém te procuraria se não fosse meu trabalho. Você depende de mim, meu caro. As palavras saíram com ironia e despeito, revelando os sentimentos de Culpa.
Nunca neguei isso, aliás é isso que eu queria que você entendesse. Todos temos o nosso papel na recuperação da consciência. Se cada um de nós fizer apenas o que nos for requerido os humanos estarão bem e terão saúde. Mas basta que um de nós tente fazer o papel do outro e o desastre está feito.
Podemos ir andando e conversando, assim eu descubro se o Perdão existe ou é só mais uma de suas fantasias. A essa altura a Culpa ironisava o disurso de Arrepedimento, mais como desafio que por senso de humor.
Vamos lá, quem sabe ele consiga te convencer.
Mas continue, seu discurso estava até interessante.
Pois não, onde eu estava mesmo? Ah, sim! As nossas diferenças. Bem em primeiro lugar, para quem vê de fora é possível não distinguir-nos, mas o tempo mostra as diferenças. Os sintomas são os mesmos, insônia, talvez inapetência, mau-humor, desânimo e indefinições. O sentimento que você provoca leva os humanos a olharem a vida em retrospectiva. O passado passa a ter mais relevância que o presente ou o futuro. O pensamento se ocupa com o que foi, com o que eles fizeram e com o que passou. Passou como fato, mas como lembrança se perpetua como um quadro pendurado na parede da memória. É como uma ferida que não cicatriza, uma infecção que não cura ou um membro amputado que dói, embora ele não esteja mais lá. Quanto a mim devo fazê-los olhar em perspectiva, minha missão é mostrar que depois que o pecado foi tratado, o futuro se torna mais relevante que o passado e até mesmo que o presente. O que eles fizeram importará cada vez menos à medida que o que farão ganha importancia. Os fatos permanecerão na memória, mas serão como cicatriz que não dói, apenas os lembram para não cometerem o mesmo erro que os levou à você e ao necessário sofrimento de suas ações .
Poxa, que bonito? Essa mistura de poesia e teologia impressiona, mas não convence. Você sabe “Arre”, posso chamá-lo assim? Pois bem, você sabe que a tendência das pessoas é banalizar o pecado e cauterizar suas consciências. Como o Apóstolo Paulo ensinou, acho que foi em sua Primeira carta a Timóteo, “nos últimos tempos os homens teriam as suas consciências cauterizadas”, ou seja, insencíveis. Se eu não fizer o meu trabalho é isso que vai acontecer.
Talvez, mas por outro lado, você deveria saber que ninguém consegue conviver com a Culpa martelando a suas consciência o tempo todo. Ou elas ficarão enfermas, ou irão justificar seus pecados para poderem conviver com você, ou então vão cauterizar suas consciência de igual forma, e não curá-las. Aliás, você deveria perceber que o que Paulo fala em 1 Timóteo 4 refere-se aos apóstatas, não aos que creêm em Deus. Para esses Deus proveu outra solução.
O Perdão, tô sabendo. Nós precisamos libertar as pessoas da escravidão do pecado.
Sim, eu concordo. Mas a Culpa também escraviza. Sem a minha contribuição e sem o encontro com o Perdão a pessoa será escrava de uma dor e sofrimento sem fim. Só a consciência percorrendo este caminho no qual estamos a pessoa encontrará libertação de sua dor pelos erros cometidos.
Mas sentimento não é tudo. Quem cometeu o erro precisa corrigí-lo. Você reduz a vida a sentimentos, mas e a situação gerada, como a ordem será reestabelecida? Atitude meu caro, é isso que no final importa. Ou não foi de você que João Batista falou dizendo: “Produzi frutos dignos do arrependimento”?
Sim, você não percebe que a resposta você mesmo já deu? Em Mateus 3, Deus não ensina que seja o esforço deles para corrigir a situação que proporciona o alívio da consciência, até porque certas circunstâncias são incorrigíveis. O que alivia a cosnciência é a fé (vs.11), a fé em Jesus. Os sentimentos não são resultados do que se faz, isso se torna um circulo vicioso. Faz o bem, descobre que fez também o mal, aí faz mais bem que os leva a sentirem-se mais indigno, porque até o bem que fazem tem também intenção apenas de se livrarem de você. Essa é a lógica do mundo, a lógica de Deus é diferente.
E qual seria?
A consciência boa ou limpa, como Paulo fala nas cartas a Timóteo, não vem de obras ou ações, mas tanto o sentimento como as ações são consequências da fé, até a pessoa encontrar o Perdão não haverá alívio.
E a situação gerada?
Corrigi-se o que for possível e descansa-se em Deus naquilo que não é mais possível corrigir.
Eu não consigo entender essa lógica...
Eu também não, a Graça está além de nossa compreensão.
Lá está o Perdão. No alto de uma colina Perdão já aguardava o Arrependimento. Depois das apresentações de praxe, seguiram juntos pelo caminho agora já não mais íngreme como fora a caminhada até aqui de Culpa e Arrependimento.
Para onde vamos? Perguntou a Culpa com a curiosidade de quem está descobrindo paisagens novas.
Para o nosso destino final, a cruz de Cristo.
Então não é você que libera a pessoa de minha influência?
Não, todos nós somos servos de Cristo, nosso papel é levar a consciência até a cruz.
Então, ela irá nos esquecer?
Não totalmente, mas toda as vezes que a pessoa se lembrar do pecado cometido, se lembrará de você e depois se lembrará do Arrependimento e se lembrará de mim. A partir de agora estaremos sempre juntos para que a pessoa encontre o caminho até a cruz. Nós seremos o seu guia.
Nesse momento caminhavam no que parecia ser um nascer do sol. À frente deles o sol se levantava na linha do horizonte, colorindo a estrada de um alaranjado muito bonito e tanquilizador. Caminhavam os três lado a lado em direção ao Sol, que soube-se depois era chamado de Sol de Justiça.
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