A caminhada foi árdua e o sol estava causticante. Subi decididamente, porque queria observar o que iria acontecer. Fiz uma cobertura para me assentar embaixo por causa do forte calor. Ali me pus a esperar. Não se engane, esperar não significa necessariamente ter esperança. Podemos esperar com esperança, ou podemos esperar sem ela. No primeiro caso, a espera nos anima, nos traz ansiedade alegre, no segundo caso nos deprime e nos submete a uma dor ressentida, como se fora “comida requentada”. E foi esse o meu caso. Os tradutores disseram que eu fiquei desgostoso, mas confesso que era bem mais do que isso. Estava profundamente triste, sentindo a dor em meu íntimo, amargurando minha alma. Não esperei porque aguardava alguma surpresa, mas esperei para alimentar a minha ira. Pois, sei que é assim que se faz, sentamo-nos e esperamos, e enquanto esperamos remoemos, ruminamos e multiplicamos a nossa raiva. Dei para imaginar, para teologizar e para filosofar sobre a minha dor. Conhecia todas as minhas justificativas, todas as explicações lógicas para o furor que me consumia como um incêndio na alma, e lá fiquei sob a enramada.
Com quem eu estava irado? Com todos, inclusive com o Senhor. Na minha teologia devidamente comprovada por teses e exegeses, era inadmissível que os maus, e os párias e os vilões de meu tempo escapassem incólume pela justiça que deveria vir sobre eles. Não sei se estava mais irado por causa do mau que fizeram ou por causa de terem escapado ilesos. Só sei que estava lá sentado, como um cão raivoso. Se orei? Claro que orei. Apresentei a Deus as minhas queixas, as minhas dores, mas acima de tudo a minha revolta contra ele. Eu conhecia a sua natureza compassiva e sabia de sua misericórdia, eu só não queria ter parte nessa missão. Por que eu? Logo eu cujo coração queimava de ódio por eles, e agora, à distância vejo os maus se arrependendo, e recebendo a graça do perdão. Se ao menos eles tivessem reparado seus erros, se ao menos eles tivessem feito por merecer. Mas não, o Senhor tinha que mostrar a eles a sua clemência, como mostrou a nós. Por que, me pergunto, eles que tantos males fizeram seriam alvos da benignidade do Senhor? O que mais me revoltou foi a natureza desse Deus, que é tardio em irar.
Agora, fico aqui a esperar, assentado debaixo da enramada. Foi por isso que pedi a morte, porque a vida não faz sentido. Pelo menos a vida que concebi, a vida que se enquadra num processo automático de causas e efeitos. Agora já não compreendo a existência humana, como vou conviver em um mundo em que homens maus e inimigos de Deus serão perdoados de suas vilezas? Como encarar a dura realidade que alguns deles se arrependerão e somente isso será suficiente para Deus? Como aceitar essa verdade de que nem mesmo o arrependimento veio deles, mas o Senhor os levou a esse sentimento? E o pior é que eu tive, a contragosto, participação em tudo isso. Então me pergunto para que viver essa vida ilógica, às vezes insana e quase sempre injusta aos meus olhos. Foi por isso que quando o Senhor me perguntou se era justa a minha ira, a resposta que dei foi honesta, era justa até a morte. Assim, além de esperar para alimentar de ira e desgosto o meu coração que já transbordava das mesmas, eu também esperei a morte que não veio.
E de raiva adormeci debaixo da enramada. O sol estava quente, mas uma sombra se fez sobre mim e meu abrigo. Tão agradável era a sombra que dormi até com certo conforto e satisfação. Até que o ramo secou e o sol ardeu mais uma vez. Naquela hora o Senhor me deu uma lição sobre compaixão. Ele não precisava, mas como sua natreza é longânime e compassiva, me explicou os seus motivos. Nem sempre ele faz assim, mas não sei porque aquele dia ele o fez. Mostrou-me a razão para os seus atos. E até hoje agradeço por ter estado debaixo da enramada. Acho até que todos nós deveríamos um dia nos assentar debaixo de uma enramada.
PS.: Meu nome não é Jonas, meu nome é Jôer e quantos mais já se assentaram sob a enramada e compreenderam a graça do Senhor.
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3 comentários:
Como normal de um cristão eu sempre ouvia sobre graça, falava sobre graça e pedia graça, mas mesmo diante de tanta graça eu não a via em minha vida, na verdade eu achava que graça tinha a ver com grandes acontecimentos e
livramentos, só então quando eu vi restauração na vida de amigos meus e eles oravam e pediam que eu agradecesse a graça de Deus na vida deles, foi que eu percebi o que aquilo significava, o quanto essa graça estava presente em minha vida e a minha volta, foi preciso que eu sentasse e assistisse uma "cidade" pecaminosa(meus amigos) ser salva pra que eu compreendesse a graça, sim a graça abundante!
Linda Postagem. Vou pregar sobre o texto de Jonas e me tocou muito esta paralelo feito com a enramada.
Paz
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